Por Felipe Furcolin e Marcos D`Avino Mitidieri, sócios do Furcolin Mitidieri Advogados.
Publicado originalmente na Revista Exame, em 24 de novembro de 2021.
Em 07 de outubro de 2021, a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABBEÓLICA) ingressou com ação judicial em face da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) (1071815-25.2021.4.01.3400), pleiteando o ressarcimento de usinas eólicas que foram obrigadas a deixar de gerar energia por restrições na capacidade de escoamento do sistema de transmissão. Esses cortes ou reduções temporárias da geração de energia, ordenadas pelo Operador Nacional do Sistema (ONS), são denominadas “curtailments”.
De forma ilustrativa, imagine uma usina eólica no momento em está gerando energia para atender os compromissos de comercialização por ela celebrados. Então, referida usina recebe o comando do ONS para que seja desligada ou tenha sua geração reduzida consideravelmente, até segunda ordem.
Normalmente, tal comando decorre da limitação da capacidade de escoamento dessa energia pelo sistema de transmissão e/ou de uma baixa demanda no momento de geração e é necessário para a segurança operacional da rede. A dúvida que se coloca é se o gerador deve ou não ser ressarcido por esses desligamentos e reduções, e em que casos.
Desde 2014, a ANEEL tenta dar uma resposta a esse tipo de questionamento, tendo já havido consulta e audiências públicas sobre o tema. Nesse período, houve diversos pleitos de ressarcimento por parte de empreendedores afetados. Em agosto de 2019, a Diretoria da Agência suspendeu a tramitação de pleitos administrativos de usinas eólicas, até que houvesse a superveniente edição de regulamento para disciplinar a questão.
Finalmente, em 22 de março de 2021, a Agência editou a Resolução nº 927, que estabelece os critérios para apuração e pagamento por curtailments para usinas eólicas.
A Resolução diferenciou três modalidades de curtailments, de acordo com sua causa: (i) indisponibilidade externa, quando linhas de transmissão, transformadores, disjuntores ou subestações – não pertencentes ao gerador – ficam indisponíveis; (ii) confiabilidade elétrica, quando há o atingimento do limite da capacidade de linhas de transmissão, de carregamento de equipamentos ou de requisitos de estabilidade dinâmica; (iii) energética, quando há um desbalanceamento entre carga (demanda) e geração (oferta).
A norma da ANEEL também diferenciou as situações que ensejariam ressarcimento, de acordo com o momento de sua ocorrência e o ambiente de comercialização de energia: (i) a partir de outubro de 2021, por curtailments na modalidade indisponibilidade externa, e apenas se os eventos de restrição, somados, superarem 78 horas no ano; e (ii) antes de outubro de 2021, para a energia comercializada no mercado regulado (que envolve contratos decorrentes de leilão), por curtailments nas modalidades indisponibilidade externa e confiabilidade elétrica. Os casos de energia comercializada no mercado livre anteriores a outubro de 2021 ficaram propositalmente sem tratamento, isto é, não teriam direito a ressarcimento.
A regulação gerou descontentamento a alguns geradores, em especial o não ressarcimento para os casos anteriores a outubro de 2021 no mercado livre, uma vez que a Agência já havia reconhecido tal direito anteriormente, em casos concretos.
A ação judicial da ABEEÓLICA estimou o valor do ressarcimento devido em R$ 82,4 milhões para 15 empresas associadas que sofreram restrições de geração entre janeiro de 2018 e agosto de 2021 no âmbito do mercado livre. Essa ação é diferente de outros processos existentes sobre o tema, seja por envolver uma associação tão representativa, seja por ter sido protocolada como resposta à Resolução nº 927 pela ANEEL. Vários agentes, e a própria ABEEÓLICA, já haviam pleiteado a revisão da referida norma em âmbito administrativo, mas não tiveram sucesso.
Os ressarcimentos, se confirmados, serão embutidos como encargo na conta dos consumidores, que já arcam com uma conta de energia de alto valor. Do lado dos geradores, o não ressarcimento acarretará a reavaliação dos riscos envolvidos na operação desses empreendimentos, o que certamente refletirá no preço da energia, arcado, mais uma vez, pelos consumidores.
As usinas solares também têm sofrido com os eventos de curtailments e, diferentemente das eólicas, não contam com regras que lhes deem tratamento nessas situações. A Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), assim como alguns de seus associados, vêm apresentando pleitos administrativos de ressarcimento há mais de um ano. Há uma percepção de que seria possível também judicializar o tema.
A discussão central é sobre previsibilidade, especialmente necessária para empreendimentos de energia que demandam expressivos investimentos baseados no conhecimento e manutenção das regras do jogo. A resposta do Judiciário dirá se este risco, anteriormente não assumido pelos geradores na formação de seu preço, passará a compô-lo.
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