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Luan Vieira

Ética no trabalho


Desde que nós, humanos, nos entendemos como comunidade, pensamos e discutimos o que é certo e errado. Apesar de sabermos que nossos ancestrais mais remotos já cultuavam divindades e tinham regras e costumes, o primeiro registro escrito que temos foi dos Babilônios, por volta de 1.800 A.C. O chamado 'Código de Hamurabi' era um conjunto de regras ou leis impostas pelo imperador Hamurabi para punir um delito. É óbvio que esse conjunto de regras é arcaico e pouco elaborado, pois era extremamente violento e baseado na lógica de vingança. Mas o fato é que ele representou um marco civilizatório da humanidade, pois ali foi um ponto de partida. Desde então, aperfeiçoamos nossos códigos, elaboramos sistemas complexos de comportamento e culturas. Ao ponto de, em cada empresa que eventualmente trabalharmos, ao recebermos boas-vindas, receberemos também um caderno, um folheto ou um pequeno livro, todos escritos na capa como "código de ética".

 

Mesmo ética e moral sendo palavras saturadas no mercado de trabalho, são poucas as pessoas que sabem efetivamente o que elas significam e qual o impacto real na vida delas. Embora não haja uma definição única, é possível entender, de maneira simplificada, a moral como o conjunto de regras/valores que orientam o comportamento individual, enquanto a ética refere-se ao conjunto de regras/valores que orientam o comportamento de uma comunidade. Na moral, esses valores são eleitos após uma reflexão profunda sobre quais valores serão melhores para perseverar no próprio ser, ou seja, para existir e resistir de forma digna. Na ética, esses valores são eleitos após uma reflexão profunda sobre quais serão os melhores valores que beneficiarão o convívio coletivo. E aí, o que pode acontecer (e acontece) são os interesses particulares conflituarem com os interesses comunitários.

 

Isso acontece por inúmeros fatores, mas o principal deles deve-se ao fato de que os recursos do mundo são limitados. Se você quer A e seu colega de trabalho quer B, geralmente, não é possível que A e B coexistam. Então, ou existe um conjunto de regras socialmente aceito que lide com o assunto, ou você e seu colega de trabalho entrarão em conflito até que o vitorioso decida. Os conflitos, sejam violentos ou não, são uma faceta intrínseca da natureza humana; no entanto, nem todos os dilemas devem ser resolvidos por meio de confrontos. Uma sociedade que funciona dessa maneira é a mais pura barbárie, um caos sem fim. É por esse motivo que existem sistemas políticos, leis, costumes, entre outros. Para que o homem seja civilizado e não sucumba aos instintos selvagens e diversos. Por este motivo também, toda e qualquer empresa séria gasta bastante tempo estipulando quais são o conjunto de regras importantes e fundamentais para aquela instituição. A partir daí, escrevem seus valores, desenham processos, formam cultura e dinâmicas de punição e/ou bonificação.

 

Mas, como isso te afeta? A começar pelo processo seletivo, é muito mais fácil para uma empresa empregar colaboradores que compactuem com a sua ética de trabalho do que implementar isso em alguém. Então, da mesma forma que a empresa busca um colaborador que esteja alinhado com o perfil da vaga, deveria ser obrigação do candidato buscar empresas com valores aos quais ele simpatiza. Cansei de ver candidatos patinando em processos seletivos, sobretudo, de estágio e trainee, porque recebiam o seguinte retorno: 'seu perfil não está alinhado com a empresa'. Esse tipo de e-mail gera grandes frustrações que nada têm a ver com a capacidade do candidato.

 

Uma vez empregado, o colaborador tem contato com a cultura da empresa. A cultura é a ética na prática. O mais curioso nesse ponto é que a cultura pode ou não divergir das regras escritas. Apenas na convivência será possível perceber. Essa divergência acontece muitas vezes porque as principais lideranças e colaboradores não participaram da confecção do código de ética daquela instituição. Nesse contexto, o código escrito é apenas um pedaço de papel, sem legitimidade. Em cenários como esse, passam a valer as regras não escritas e passa a valer a subjetividade. Por exemplo, se a pontualidade é um valor da empresa escrito no código de ética, mas seus colaboradores e lideranças se atrasam ou ficam sempre depois do horário, a cultura da empresa é a flexibilidade.

 

Imerso na rotina de trabalho, o colaborador perceberá a cultura da empresa; a partir de então, é sua responsabilidade entender quais são os seus limites. Em outras palavras, o que ele consegue abrir mão, adaptar e aquilo que é inegociável. Sem essa clareza, em muitos momentos, pode ser que o colaborador se sinta frustrado, injustiçado ou até mesmo violado. Um ambiente de trabalho com essas características desmotiva qualquer pessoa.

 

E é justamente isso o que as grandes companhias querem evitar, por isso investem também em compliance. Empresas bem estruturadas têm uma área de compliance bem estruturada, os processos são claros e a cultura condizente com o código escrito. Com isso, o ambiente criado internamente é mais leve e transparente, consequentemente, transmitindo uma boa reputação externa.

 

Contudo, a insatisfação não é apenas culpa da estrutura da empresa. Como eu disse anteriormente, o colaborador tem suas responsabilidades. Neste contexto, é muito importante entender que o nosso jeito não é o jeito certo, mas apenas o nosso. Então, ser introvertido em uma área que exige extroversão pode ser muito desgastante. Às vezes, ali só não é o seu lugar; em outras palavras, estar em uma empresa/vaga desalinhada com seus valores é como ser um peixe fora do aquário. Além disso, o grande erro que as pessoas cometem é acreditar que ética é algo fixo, sólido e imutável, quando na verdade a ética é extremamente dinâmica, fluida e mutável.

 

Lideranças precisam estar abertas a ouvir seus colaboradores e clientes para eventualmente mudar processos, cultura e até mesmo os valores. Enquanto os liderados precisam estar abertos a gestão do seu líder e a feedbacks dos seus pares. Além disso, precisam refletir constantemente seja em terapia, seja em autoanálise se algum de seus valores está sendo violado. Afinal, o trabalho não é só pelo dinheiro - que pode até te comprar um lugar paradisíaco, mas nunca comprará a tranquilidade da alma. Por isso, a ética no trabalho é tão importante; passamos tanto tempo trabalhando que, se trabalharmos sem paz, viveremos atormentados.

 

Assim, se iniciei este texto citando o mais arcaico e violento conjunto de regras escrito, encerro-o com uma das mais belas e sofisticadas filosofias de vida, a estoica. Escolhi compartilhar de conselhos de Sêneca para seu amigo Lucílio do livro Edificar-se para a Morte, que serviram para mim como guia moral e espero que sirva para você: “Faça a única coisa que possa garantir a tua felicidade: extirpa e esmaga o esplendor extrínseco, [...] foque naquilo que é necessário e não valioso [...] Entenda que prazer sem limites precipita-se em dor [...]. Mira no verdadeiro bem [...]. A consciência tranquila, as decisões honradas, [...] Tu mesmo e a melhor parte de ti [...]”. Até a próxima leitura!



*Luan é engenheiro eletricista pela Universidade Federal de Itajubá, analista de energia e aluno da Head Energia.

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